um segredo.

Não sei se o sol já estava a pino, porque nesse dia perdi a noção depois de ter acordado tão cedo. Já fazia muito tempo que não sabia o que era ver o sol preguiçoso apontar lá do leste, entre prédios e fumaças da grande metrópole cinzenta chamada: São Paulo. Pior que nem reclamei com meu pai por ter me chamado pra ir acompanhá-lo no centro - o que pode ter demais em querer acompanhar o papai quando ele precisa resolver assuntos seus no centrão de sampa? você deve me perguntar. Nenhum, te respondo. Nenhum quando não se tem que acordar às 5:00am, num dos dias mais frios do inverno do ano de 09! Logo, por isso o espanto. Não reclamei. Fui de boa vontade, talvez por não passar tanto tempo com meu pai, fora o necessário ou por ter uma 'pequeniníssima' saudade dos tempos da escola, onde acordava de manhã e aproveita mais o meu dia. Pronto. acordada, água fria na cara pra acordar de verdade, café da manhã sem pão, 'bóra' pro centrão. Radial LOTADA! Sampa ainda vai travar - gravem isso. carros e mais carros, motos rasgando o trânsito em suas manobras que parecem arrancar os retrovisores á fora e os ônibus que chegam me intimidar, quando seu carro parece ser invisível entre eles, cada vez mais te pressionando a sair do caminho dos grandões do trânsito. Corta um aqui. Breca-se friamente. Xinga outro ali. Enfim, chegamos madrugando ao nosso destino. A rua deserta. Raramente passava-se um vulto. Um vulto preto com os olhos entre abertos no meio de muito tecido. Parecia estar em outro país. Aproveitei, sai do carro. Pensei em voltar. O vento parecia corta a cara. Aparti dai não sentia mais as mãos. Ficaram roxas, depois branquearam. No pescoço, minha eterna companhia. Minha caixinha preta captadora de ideias, sonhos e histórias. Olhei pro lado. Pro outro. Ninguém, mas pra não perder o costume, alguns carros insistiam em trafegar naquela rua até então deserta. Aqueles prédios caindo aos pedaços, sempre me chamaram a atenção. Pensando bem, se eles falassem, diriam: ''Preciso de um convênio urgente!" "Nossa sinto dores por todo o meus tantos metros quadrados." "Meus cabelos, não param de cair" "Como envelheci, olha quantas rugas!!!" Enfim, eles me contando seus problemas e eu ouvindo com atenção, não pedi permissão e fotografei. Fotografei os mais decadentes. Eles eram a composição perfeita. Os personagens principais. Isso durou apenas alguns minutos, pois meus dedos não correspondiam mais aos comandos, não queriam mais aperta o botão. Com meu pai do meu lado, soltando sua fumaça artificial para os ventos, me observando, e preocupado há que horas iria abrir as lojas, me disse: ''Vamos tomar um cafézinho?" não precisava perguntar duas vezes. Fomos na padaria da esquina no intuito de nos esquentarmos por dentro com aquele líquido preto e quente. Por um tempo, foi isso mesmo que aconteceu. O tempo passou e passou. Pronto a loja abriu e começou o planejado. Durante o tempo em que o pai ficou na loja, acompanhei o Sr. Roberto. O meu guia do dia. Me contando histórias da região, e absurdos que acontecem atualmente por lá. Andamos e andamos até completarmos a volta no quarteirão. fotografei mais alguns dos prédios chorões. Parecem que vão cair em cima de você de tão doentes e frágeis. De volta a loja resolvi voltar para o quentinho do carro. e o aconchego do banco. abria a boca, a cada minuto, parecia engolir o mundo, mas contra o sono queria ver tudo ao meu redor, não perder nada. Lá dentro daquela lata de metal, via o mundo lá fora, mas o mundo não me via. Legal. Agora só faltava se desligar totalmente colocando os fones no ouvido. "Enquanto houver luz nos meus olhos/não vou parar de procurar os olhos seus..'' Me agradavam essas palavras. Tentei ler ao mesmo tempo o livro que só depois de muito tempo me chamava atenção. aprendi a entende-lo. mas não. não era o momento dele, queria saber o que acontecia lá fora. a vida alheia. Preparei a câmera. Fotografava pessoas que nunca imaginava ver na vida, mas que depois de estarem gravadas na memória do cartão, parecia que já nos conhecíamos. Senhores. Senhores. Senhores. Fotografei muito dos senhores que lá caminhavam. Os jovens passavam muito rápido, quase não via seus rostos. E quando paravam, ficavam de costas pra mim. Nada simpáticos. Mas de longe avistei um rosto agradável, com roupas bem colocadas entre si. Cores que combinavam entre elas, cabelos ao vento mas nada fora do lugar, só não sabia para que o uso de óculos escuros naquele dia. tanto faz. Combinava. Acompanhando com os olhos desde longe eu fui. Parecia não pertencer aquele lugar, sombrio. E quando chegava perto do carro sem saber da minha existência, lá dentro, há observá-lo, caminhou com muita pressa e sem coordenação apontei a câmera para a janela e apertei o botão. E continuei a segui-lo, até sumir das minhas vistas. Foi-se. Mas ficou gravado ali na minha caixinha preta. Agradeço ela por existir. Temos algo em comum, mesmo ele não sabendo. Depois disso o tempo passou devagar e devagar. E ao ver essa foto, me fez lembrar de tudo. Minhas memórias são um diário visual. Os prédios são testemunhas do ocorrido e dividem um segredo comigo.